Rolling Edipos

Vinte e cinco séculos nos separam das encenações de "Édipo Rei" na Grécia clássica. Sófocles, grande herói de Atenas (além de seu maior dramaturgo, foi general e ministro da Fazenda), com certeza acompanhava as representações de suas peças e podia sentir a reação do público. E sabia como construir um sucesso. Aristóteles, em sua "Poética", várias vezes cita "Édipo Rei" como um exemplo de construção dramática. A fascinação pela obra passou incólume pelo teste do tempo e continuou sendo referência para espectadores comuns e para sofisticados acadêmicos. Freud, um século atrás, usou a triste história do rei de Tebas para batizar uma das bases da teoria psicanalítica, o complexo de Édipo.

Tudo isso, contudo, não elimina a distância que o público contemporâneo é obrigado a vencer para fruir, com a devida emoção, todo o potencial dramático da obra-prima de Sófocles. O mito de Édipo, que era bem conhecido dos espectadores atenienses do século V, para a maioria dos espectadores de hoje se resume a "o cara que matou o pai e transou com a mãe". É muito pouco. As razões do assassinato e do incesto são muito mais importantes que os atos em si. Por isso qualquer diretor que se preze, ao encenar "Édipo Rei" hoje, vai se preocupar em estabelecer pontes entre a cultura grega clássica e o público. Mas não é fácil tomar decisões. Os atores devem estar com máscaras e coturnos? O texto deve ser apresentado na íntegra? Como mostrar o coro em ação? Qual o grau de realismo nas cenas violentas, como o suicídio de Jocasta e a auto-mutilação de Édipo?

Luciano Alabarse, no espetáculo "Édipo", que dirigiu recentemente, tomou várias decisões. E acertou em todas. Acertou ao usar trechos de "Édipo em Colono" para acrescentar um prólogo e um epílogo a "Édipo Rei". A peça menos conhecida da trilogia edipiana não tem a mesma força dramática de "Antígona" e "Édipo Rei", mas ajuda a conhecer o drama íntimo do herói e a promover uma reflexão sobre a extraordinária capacidade humana de superar adversidades. Acertou ao dar ao coro uma grande dinâmica de movimentação, conservando seu papel de "voz do bom-senso" sem que falas demasiadamente longas prejudiquem o ritmo da peça. Acertou ao dispensar as máscaras, mas manter símbolos cerimoniais, como as estátuas divinas e a fumaça de incenso. Acertou na escolha do elenco, que mistura ícones do teatro gaúcho, como Carlos Cunha Filho, Zé Adão Barbosa, José Baldissera e Mauro Soares, com jovens cheios de energia, como Marcelo Adams e Marcos Contreras.

Mas nenhum acerto é tão ousado e contribui tanto para curtir a peça quanto a trilha musical, composta quase exclusivamente por canções dos Rolling Stones – sucessos das décadas de 60 e 70 – em suas versões originais. Nunca pensei em cruzar "Sympathy for the Devil" com tragédia grega, e alguns com certeza dirão que se trata de uma heresia, mas a música funciona tão bem que parece ter sido composta por Sófocles, e não por Jagger/Richards. A cada nova canção, eu procurava relações da letra com a trama da peça, e, mesmo que alguns significados sejam invenções muito particulares da minha cabeça de fã incondicional da banda, a conjunção Sófocles/Stones – às vezes irônica e engraçada, às vezes séria e incidental – proporcionou uma nova leitura de um texto com vinte e cinco séculos de idade. O que pedir mais de uma encenação contemporânea? Os acertos de Alabarse, de seu elenco e de sua equipe técnica vão ficar na história do teatro gaúcho. I know, it’s only rocking roll, but Edipo likes it.

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