O que li (em 2005)

É estranho ver a lista do que li em 2005, um ano que está marcado nitidamente na minha memória.

Outros anos fundamentais: 1977 (quando o Grêmio foi campeão gaúcho no Gre-Nal mais importante da história), 1980 (quando conheci a Luciana), 1982 (quando meu pai morreu, bem no meio das filmagens de “Inverno”, meu primeiro longa), 1984 (quando eu e alguns amigos fomos para a garagem aprender música e fundamos “Os Replicantes”), 1996 (quando “Deus Ex-Machina” ganhou onze prêmios no Festival de Cinema de Gramado) e 2002 (quando saí d“Os Replicantes”, numa das decisões mais difíceis da minha vida).

2005 ficou na minha memória porque foi o o ano em que aconteceu o lançamento de “Sal de prata”, filme que vinha sendo planejado desde 2000 e, de longe, o projeto em que mais me empenhei na minha carreira no cinema. Tínhamos um grande elenco, boas condições de realização e – imaginava eu – uma bela história para contar. Na hora de lançar o filme nas salas, deu tudo errado: a recepção no Festival de Cinema de Gramado foi fria (apesar do merecido prêmio de montagem para o Giba), e o público ficou bem abaixo do que esperávamos. Só tirei o gosto amargo da boca quando, em 2007, dirigi “3 Efes”. Mas o que importa aqui é a lembrança de 2005 como um ano ruim. O que li nesse ano ruim?

Introdução às grandes teorias do teatro – Jean-Jacques Roubine

Viúvas – Ed McBain

Solo de Clarineta; vol.2 – Érico Veríssimo

Hipólito – Eurípedes

Ifigênia em Aulis – Eurípedes

A cidade e as serras – Eça de Queirós

A arte do ator – Jean-Jacques Roubine

Rei Lear – Shakespeare

O retorno de Casanova – Arhur Schnitzler

Dramatic structure – Jackson Barry

Beijo – Ed McBain

Ragtime – E.L.Doctorow

Contos de Amor e Morte – Arhur Schnitzler

Doutor Gräsler: médico das termas – Arhur Schnitzler

A senhora Beate e seu filho – Arhur Schnitzler

Aurora – Arhur Schnitzler

Pré-história do Brasil – Pedro Paulo Funari e Francisco Silva Noelli

A pré-história da mente – Steven Mithen

O macaco nu – Desmond Morris

Antes de Adão – Jack London

Senhorita Else – Arhur Schnitzler

O álbum negro – Hanif Kureishi

Sambaqui: arqueologia do litoral brasileiro – Madu Gaspar

Até o dia em que o cão morreu – Daniel Galera

Kubrick: de olhos bem abertos – Frederic Raphael

Eu sou Charlotte Simmons – Tom Wolfe

Sangue e gelo – Ed McBain

Medo de voar – Erica Jong

O legado da família Winshaw – Jonathan Coe

Salve sua vida – Erica Jong

A ilustre Casa de Ramires – Eça de Queiroz

Teoria da literatura: uma introdução – Terry Eagleton

Interpretação e Superinterpretação – Umberto Eco

Bem-vindo ao clube – Jonathan Coe

Ruim? Como pode ser ruim um ano em que li tanta coisa boa? O João Gilberto Noll já disse que, para ele, a literatura é uma espécie de salvação. O Artur da Távola, no belo programa que apresentava na TV Senado, “Quem tem medo da música clássia?”, afirmou que a melhor maneira de enfrentar as dificuldades da vida era conhecer e amar os grande compositores. Ele disse algo assim: “Quem conhece Tchaikovsky nunca vai se sentir totalmente solitário”. Eu entendo muito bem o que eles querem dizer. A arte – tanto do lado de quem faz, como do lado de quem usufrui – é muito terapêutica. Ela faz com que a gente viva melhor, mais plenamente, com mais felicidade. Ela cutuca os sentidos, amplia a sensualidade, desenterra a paixão. Como escreveu meu amigo Paulo Sérgio Guedes, a única forma de enfrentar a doença mental, a neurose, é redescobrir a capacidade de amar. E a arte sempre dá uma mão nessa redescoberta.

Na minha lista de 2005, aparecem, como em 2004, vários textos sobre teatro e algumas peças. Eu continuava me preparando para dar aula de dramaturgia na PUC. Para minha sorte, nessa preparação tive o grande prazer de ler Shakespeare e Eurípedes. Também aparecem dois romances de Eça de Queiroz, incluindo a obra-prima “A cidade e as serras”. É impossível ler alguns parágrafos de Eça sem ser atingido pelo seu bom humor e pela sua ironia. Li seis obras de Arthur Schnitzler em 2005. Numa delas, “Contos de amor e morte”, estava uma história chamada “O diário de Redegonda”, que me inspirou a primeira versão de um roteiro de longa-metragem, que hoje se chama “Menos que nada” e que será filmado no final deste ano. Na pesquisa para escrever esse roteiro, li muita coisa sobre arqueologia, assunto que até hoje me fascina.

Deu pra perceber? No mesmo ano em que tive uma decepção artística, a própria arte me fez sentir prazer lendo tragédias, me fez sorrir das ironias do mundo pela mão de Eça de Queiroz e, principalmente, graças a Schnitzler, me fez encontrar a inspiração para um filme que ainda demoraria muito tempo para ser feito (e que talvez nunca fosse feito, se não ganhasse um edital da Petrobrás), mas que agora tem uma perspectiva bem concreta de realização. Livros não são apenas livros, assim como filmes não são apenas filmes. Eles carregam significados capazes de mudar vidas, mesmo que a gente nem perceba todo esse poder.

Só de lambuja, ainda em 2005 descobri um autor inglês maravilhoso, Jonathan Coe, continuei minha saga policial com McBain (que acabaria, mais tarde, me fazendo escrever histórias policiais, mas essa é outra história), li mais um romance do Kureishi (pra mim, “O álbum negro” é o melhor de todos), um belo Tom Wolfe e a novela do Galera. Tirei da estante, onde repousou por muitos anos, “Medo de voar”, de Erica Jong, escritora que teve o chamado “sucesso de escândalo” e que merece ser resgatada pelos seus méritos literários e pela sua sensualidade libertária. E, de troco, ao ler o livro de Umberto Eco aprendi muito sobre o papel relevante dos bons críticos e sobre os erros mais crassos dos ruins. Lendo os livros de 2005, um dos piores anos da minha vida, devo ter percebido – mesmo que inconscientemente – que, com a ajuda da arte, sempre se acha prazer, bom humor, inspiração e sensualidade. Pensando bem, 2005 foi um ano bom.

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