Notí­cias de Cannes – I

 

Sei que estou devendo a continuação do meu último texto, sobre adaptações da literatura para cinema, e pretendo cumprir o que prometi (falar de quatro adaptações "impossíveis"), mas lembrei que, tendo passado uma semana no Festival de Cannes, é quase meu dever falar a respeito dos filmes a que assisti por lá, praticamente em primeira mão. Então aí vai um primeiro conjunto de impressões e opiniões, sem qualquer pretensão de fazer crítica ou analisar com profundidade. Quem sabe, mais tarde, volto a alguns destes títulos, mesmo porque alguns deles merecem.

"Waltz with Bashir", de Ari Folman. Co-produção Israel-França-Alemanha. O filme mais original dos últimos dez anos. É um documentário em desenho animado! Pensei que levaria a Palma de Ouro com um pé nas costas, mas não levou prêmio nenhum. Coisas de júri de festival. O personagem principal é o próprio diretor, Ari Folman (sempre em desenho animado), que era um soldado quando o exército israelense participou de um massacre terrível de palestinos no Líbano, no começo dos anos 80. Ari não lembra do que aconteceu, e o filme mostra (numa lógica de documentário, com cenas históricas recriadas) a sua tentativa de reconstruir sua memória. Política e psicologia se cruzando o tempo todo. Freud e Foucault de mãos dadas. Obra-prima. O júri era bonito (Natalie Portman), simpático (Sem Penn), mas muito incompetente.

"Linha de passe", de Walter Salles e Daniela Thomas. O melhor filme do Waltinho, disparado. Levou a Palma de Ouro de atriz (Sandra Corveloni) com toda a justiça. Mas o resto do elenco também merecia. O tema do filme não é original: uma família suburbana, em São Paulo, lutando contra a pobreza e tentando não cair na marginalidade. Mas há muita originalidade no tratamento do tema, que inclui o universo do futebol com uma precisão nunca antes vista no cinema brasileiro de ficção. O clima da cidade de São Paulo, sempre nublada, sempre agressiva, sempre cheia de contradições, está registrado em cada fotograma. Finalmente alguém consegue levar a estética do cinema novo – que parece ser a única estética admitida como possível para um filme brasileiro na Europa – a um novo patamar, com menos concessões aos clichês, menos lágrimas e mais preocupação com a ética do subdesenvolvimento.

"Blindness" (ou "Ensaio sobre a cegueira"), de Fernando Meirelles. Co-produção Brasil-Canadá-Japão. Um filme muito estranho. Pode ser assistido como uma obra de ficção-científica (os planos bem abertos da cidade quase deserta são impressionantes), mas não é suficientemente verossímil. Pode ser visto como um ensaio filosófico (as narrações em OFF apontam para esse viés), mas não aprofunda suficientemente as questões. Pode ser curtido como um filme de prisão (e, como sempre, uma metáfora do que acontece fora da prisão), e esta talvez seja a sua leitura mais óbvia, mas aí faltam alguns elementos dramáticos. A participação de uma estrela como Julianne More não ajuda muito, apesar de sua evidente entrega ao papel. Enfim, é um filme que mistura gêneros, sem se decidir por nenhum deles. Até aí, tudo bem. Kurt Vonnegut Jr, faz isso há décadas na literatura, com resultados brilhantes (e alguns deles, como "Matadouro número 5", levados para o cinema com sucesso). No final das contas, é essa misturada e essa indecisão que me fizeram curtir a sessão e gostar bastante do filme, ao contrário de "O jardineiro fiel", que é decididamente um grande comercial da UNICEF.

Vi muitos outros filmes, como o argentino "Leonera", o turco "Três macacos" (Palma de Ouro de melhor direção), o filipino "Serbis' e o americano "A terceira onda". Em breve falo um pouquinho de cada um.

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