Liberdade, igualdade, fraternidade e diversidade

Todo mundo sabe que Paris é uma cidade com uma vida cultural muito intensa e que oferece muitos espetáculos, tanto para seus habitantes, como para a horda tradicional de turistas. Mas só depois de passar alguns meses aqui a gente percebe a grandiosidade dessa oferta. Aprendi que, toda quarta-feira, a primeira coisa a fazer é passar numa banca de jornais e comprar a “Pariscope”. É uma revista de tamanho pequeno, impressa em papel de baixa qualidade e com poucas fotos em suas mais de 200 páginas. Custa 40 centavos de euro, menos de um real. Na verdade, não é bem uma revista. É um guia, uma lista completa (ou quase) de tudo que está acontecendo na cidade. As seções principais são: teatro, música, cinema e artes plásticas, mas também há indicações de lugares bacanas da cidade, restaurantes (comida é cultura, sem dúvida), clubes noturnos e uma seção especial para as crianças.
 
Graças às dicas da “Pariscope” já fui a vários concertos gratuitos de música erudita, todos muito bons, geralmente em igrejas, o que acrescenta uma atmosfera especial para o espetáculo. Ouvir um coral cantando música barroca sempre é bacana, mas se o coral está na frente do altar da igreja gótica de Saint Séverin, inaugurada em 1412, a experiência ganha uma força extraordinária. Eu escrevi 1412, o que significa que o atual prédio da igreja faz 600 anos daqui a pouco, mas é bom lembrar que naquelas bandas havia um oratório no século VI, que depois virou uma basílica, destruída pelos vikings alguns séculos depois. Sobre as ruínas da basílica ergueu-se a atual igreja. Enfim, música barroca naquele lugar pode ser considerada uma novidade. Não pensem que a gratuidade é apenas para música erudita. Também fui ao “Opa”, um bar que abriga bandas de rock emergentes, onde vi o sensacional e desconhecido grupo “The Dead Mantra”. Sem pagar nada, o que significa que dá pra investir num cálice de vinho nacional. Isso é que é diversidade.
 
Mas a prova definitiva de que a diversidade é marca registrada da cultura parisiense está nas páginas da “Pariscope”. Estou com a revista que cobre a semana de 2 a 8 de junho de 2010 (de quarta a terça) aqui ao meu lado. Hoje é dia 5. Contei rapidamente as peças e os filmes que estão em cartaz nesse período. São 231 filmes diferentes. Há os inevitáveis sucessos de Hollywood, mas também há dezenas de filmes franceses e de muitos países do mundo. Filmes recém lançados e filmes da década de 40. Filmes feitos com 50 milhões de dólares e filmes feitos com um telefone celular. Filmes para todos os gostos, que encontram seu público e cumprem uma função que não é apenas comercial. Como os franceses conseguem manter um cardápio tão variado? Bom, essa é outra história, meio longa, que começa depois da Segunda Guerra. Um dia posso tentar resumir.
 
O cinema, contudo, é o primo pobre do teatro em Paris. Há, nessa semana, 348 peças em cartaz. Vou escrever de novo: 348. Teatros muito pequenos, com 50 lugares, como o que abriga “La ronde”, texto de Arthur Schnitzler, com um palco de 20 metros quadrados. Teatros grandiosos, com mais de 500 lugares, como o que abriga “Les naufrages du fol espoir”, espetáculo do Theatre de Soleil, com direção de Ariane Mnouchkine, que fica na bilheteria recolhendo os ingressos e dizendo boa-noite para cada um dos seus espectadores. O palco é grande o suficiente para abrigar o naufrágio de um navio e uma tempestade de neve na Patagônia.
 
Você, caro leitor, pode estar pensando: Paris tem isso tudo porque é muito grande. Engano seu. Paris, em sua área principal (sem contar os subúrbios) tem 2 milhões e 100 mil habitantes. Os espetáculos que contei são todos apresentados nessa área principal. Porto Alegre tem 1 milhão e 400 mil. São Paulo tem mais de 12 milhões. Não vou contar quantas peças e quantos filmes estão em cartaz em Porto Alegre pra não passar vergonha. Em São Paulo a situação talvez seja um pouco melhor, mas, na comparação, passaríamos vergonha outra vez. Paris tem toda essa diversidade porque, historicamente, batalhou para isso. Os franceses têm leis que protegem a sua cultura, em todas as áreas, e impõem limites para o que vêm de fora. Os americanos adoram fazer a mesma coisa, com laranjas, algodão e muitos outros produtos, mas depois posam de liberais dizem que o mercado deve se auto-regular. A diferença é que nós acreditamos nos americanos, e os franceses não. O resultado é a diversidade: 231 filmes e 348 peças em cartaz numa única cidade. Que inveja.

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