Desconectados 9: Guto não entende o problema

Capítulo 9 – Guto não entende o problema. Eu tenho certeza que satisfazia a Marta. Ela me chamava de banquete, lazanha, gostoso, tesão, foda, lindo. Tudo logo depois de trepar. Depois de um dia sem trepar, me chamava de panaca, imbecil, idiota, velho, atrapalhado, tarado, surdo, cego. Tudo bem. Eu não ligava muito mesmo. Mulher é tudo igual. Alteradas, desenfreadas, estúpidas, inacabadas. Como as Dirty Princess. Mas se eu era gostoso na cama, por que acabou? Sempre dizem que o sexo é o mais importante do casamento. Mas no meu não foi. Será que o problema da suposta infertilidade é mais importante que uma vida de sexo intenso, gostoso e aconchegante? Meu terapeuta tentou me fazer entender a complexa questão da maternidade e da paternidade, e complementou a terapia com um remédio que me deixou completamente pirado, só porque eu passei um certo período – um ano, nem foi tanto tempo assim – sem conseguir transar direito com a Marta. Eu ficava ansioso, o pinto murchava, eu suava e gozava logo em seguida. E aí veio o antidepressivo, que segurava um pouco a onda. Acabei tomando viagra (tigre em sânscrito, língua que Marta estuda e me traduziu numa das crises), o que piorou muito a situação, pois, apesar da ereção, a cabeça estava sempre no jogo de domingo próximo, ou no laptop que tinha esquecido no carro. Eu sempre dizia pra Marta: "Agüenta, que se eu tô broxa agora, eu vou te compensar tudo isso em breve". Mas acho que ela se assustou com a situação. Ficava pirando que eu tinha debilidades sexuais graves, enquanto o meu problema era na realidade profissional, apenas refletido no sexo. Tudo começou quando eu mostrei meu projeto arquitetônico, o mais elaborado que eu já tinha feito, depois de estudar toda a arquitetura muçulmana, inglesa, mediterrânea, francesa e até africana. Fiz uma maquete de um condomínio de 2500 apartamentos, dentro dessa proposta habitacional contemporânea de tentar abrigar o máximo de famílias dentro de um terreno pequeno. Ganhei 10 mil dólares de adiantamento. Marta olhou minha preciosidade, meu oásis urbano, cheio de pequenos homenzinhos e pequenas palmeiras, todos comprados em Milão, e disse: – Tá querendo enganar a quem com esse projeto? As janelas desses prédios serão pombais pra sempre. A piscina vai estar sempre cheia; a sala de ginástica, com os equipamento suados e estragados de tanta gente; e o lado oeste só vai pegar sol das cinco às cinco e meia da tarde, do oitavo andar pra baixo. Coitadas das pessoa que vão morar aqui. É melhor um barraco de madeira na periferia. Foi demais pra mim, que passei nove meses parindo esse condomínio. Alguma coisa estourou no meu cérebro, e passei a rejeitar a Marta, intelectual e sexualmente, porque ela destruiu o meu baby do momento. Cada vez que ia transar com ela, eu pensava: "Ela desprezou meu projeto." Eu brochava para castigá-la. Sonhava com as pessoas como pombas em meu pombal, com moradores reclamando da sujeira da piscina, com o síndico maldizendo o encanamento entupido. Vizinhos reclamando de vazamentos do gás, que não chegava no fogão, das coberturas que vertiam água para dentro dos quartos, das garagens que alagavam. Tudo isso somado à agressividade do dono da construtora, que me ligava no final da tarde para saber como andava o projeto, e eu sempre enrolando a entrega final. Que momento! Acho que esse prédio, as brochadas, as ejaculações relâmpago, ajudaram muito a me levar ao estado de solidão e depressão em que agora me encontro. Hoje dei bolo até no Fredy na hora de ir no futebol. Marta foi ficando histérica e chegava ao ponto de gritar: – Mas faz 10 meses que a gente não tem uma trepada decente, Guto! – Como assim? Semana passada tu chegou a te acabar. – Teu peito, Guto. Eu tô quase pegando a mangueira do aspirador de pó. – Não fode, Marta. Que baixaria! O que adianta ir toda chic pro escritório e falar na mangueira do aspirador? Esse problema é de nós dois. O meu terapeuta disse que sempre é um problema do casal. – Nem querendo. Eu não fico tremendo quando vou chegar perto de ti. Suando e me acabando sozinha. – É porque tu não é homem. Mulher sempre pode disfarçar. – Ainda bem. Por que tu não consegue trepar comigo como tu trepava antes? Me comendo com o maior tesão, sem preocupação com teu próprio corpo, sem se acabar fora de hora? – Não sei , Marta. Só sei que eu tive que usar montes de lubrificantes durante todo o ano passado porque a tua vadiaina não ficava molhada. Não é mole ficar botando lubrificante gelado. Broxa na hora. – A culpa não era minha se eu não ficava realmente excitada. – Era também. Queria o quê? Que me transformasse no Sean Penn? – Que besteira. Eu te acho lindo. – Então porque tu não te molha quando olha pra mim? – Te larguei. Pergunta pro terapeuta. – Marta, quer sobremesa? – Já disse pra não me oferecer sobremesa, Otelo. – Por que, Ofélia? – Porque eu estou de regime, Iago. – Eu já não te disse que tu tá bem assim, Desdêmona? – Só na tua reles opinião, Fausto. – Quer que eu seja teu espelho, Narcisa? – Quem vê o ser amado como belo, enquanto gordo, está precisando de óculos ou de uma droga nova. – Mas tu tá linda amor. Uma gordinha linda. – Linda a puta que o pariu. – Linda mas vulgar. Se tu perder esses peitos e essa bunda, eu te deixo. – Eu é que tô te deixando, apesar de teus bíceps malhados e da tua bunda dura. – Não é só da bunda dura que tu gosta. – Vai te fuder. – Tu vai te fuder. – É impossível viver assim. Se relacionar deste jeito. – É. Ninguém merece.

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