Desconectados 5: A Visão dos amigos do casal

Capítulo 5 – A visão dos amigos do casal

 
1. Carol, amiga de Marta

Ser amiga da Marta e do Augusto é uma barra. Enquanto eles eram casados, era mais fácil. Eram fiéis até a morte. Tu podia dormir na cama com qualquer um deles que não representava perigo nenhum. Apesar do Guto ser o maior gato. Se tu começasse um assunto sobre sexo era certo que acabaria falando sobre o sexo deles, em conjunto.

O quanto Augusto queria transar em excesso, e isso fazia que Marta às vezes ficasse meio enjoada. Augusto dizendo que Marta estava sempre cansada, estressada, e que nunca queria transar na hora que ele queria. Marta dizendo que a iniciativa sexual sempre tinha que partir do Augusto, porque se não ele brochava. Então ela tinha aprendido a esperar pelo desejo dele e que nestas esperas ela tinha diminuído a atração.

Marta não transava com outros homens, nem Augusto com outras mulheres, não por maiores convicções religiosas ou sociais. O principal motivo era que eles tinham medo de pegar doenças. Aids, hepatite C, herpes, papiloma, etc. Complexo de raça pura. Marta dizia que estava preservando seu corpo para ter filhos saudáveis. Ela não queria pegar nenhum tipo de vírus. Mas, depois de sete anos transando com Augusto sem preservativo, e sem engravidar, Marta percebeu que eles não desenvolveriam nada em conjunto. Nem vírus, nem filhos.
 
Alguma coisa não combinava ali, biologicamente falando. Acho que na realidade foi esse o maior motivo da separação. Teve um ano que eles transaram sem parar. Em toda a pretensa ovulação da Marta, eram rios de espermatozóides sendo despejados à deriva pelo Augusto. Mesmo com modernos tratamentos médicos, nenhum óvulo festeiro da Marta queria compor uma dança frenética com as robustas sementes de Augusto, se grudando até aquele ponto mágico em que tudo acaba num começo. Insistiam, deliciavam-se, irritavam-se, mas a brincadeira sempre acabava no ovo podre tá fedendo.

Em um fim de semana na praia, depois de muitas  tentativas, a conversa descambou de um jeito que não teve mais volta. Marta, chapada e bêbada, começou a dizer para o Augusto, que é completamente ateu, que a alma dos bêbes vinha através dos espermatozóides. Que existia uma fila de almas para encarnar, esperando a cópula deles para entrar no sêmen do Augusto e que ele não estava deixando entrar.

Augusto, no mesmo estado de demência, ficou passado, chamou Marta de maluca e a vontade era de bater na cara dela. Ele disse que essa visão, além de ridícula, era machista. Que, se era para ser assim, a alma deveria entrar no momento da fecundação. Ou por que a mulher não receberia a alma diretamente em seu óvulo? Mas disse que nada disso tinha sentido, pois quando o corpo falece a possível energia da alma se esvai junto, e nada existe após a morte. Esse diálogo gerou muito mal-estar e incertezas. Mais conversas idiotas aconteceram, e filhos, nada. O momento mais crítico da relação deles começou pelo fato de não terem filhos. E se radicalizou nas conversas insanas sobre o fato de não terem filhos.

2. Fredy, amigo de Guto

Ser amigo do Guto tinha seu peso. Ficar ouvindo suas lamentações cada vez que a Marta castigava ele. Teve uma noite que ele ficou no bar até as quatro da manhã, tentando levar alguma das beldades presentes pra cama, sem sucesso algum. Marta ficou sabendo, pelas amigas dela, que, além de cair bêbado no chão, Guto bancou o ridículo e não conseguiu comer ninguém. Em casa, ela escondeu todos os projetos arquitetônicos dele. Grande sacanagem.

Chegou segunda-feira, e ele não achou nenhum papel com o andamento das obras. Foi chegando nos canteiros sem anotações, sem plantas, dando balões com os operários e furos com os clientes. Ficou totalmente desnorteado. Isso não é coisa que se faça. Só mulher muito ciumenta pra fazer uma coisa dessas. Muito ferina. Ela só devolveu os projetos na quarta-feira, depois de levá-lo ao choro desesperado. Seus projetos são seu maior apego. Depois disso ela ficou sem transar com ele por dez dias.
 
Outra vez, porque ele escreveu uma besteira num jornal da internet, ela desligou várias vezes a tomada do computador dele da parede. A tomada ficava atrás de um móvel pesadíssimo. Ele sempre achava que tinha problema no estabilizador, se atrapalhava todo, até que, pela terceira vez seguida, ele encontrou o cabo desconectado da tomada e descobriu que tinha sido ela, apesar da Marta culpar a vassoura da faxineira. Mas, até ele desconfiar dela, levava sempre muito tempo, e muitas maldições eram proferidas contra o fabricante do aparelho, a maicrosofti, os norte-americanos, o monopólio da comunicação, o  acesso restrito à internet e a invenção das faxineiras.

Apesar dele ser um ranzinza, eu tenho a maior paciência e admiração pelo Guto. Ele é uma fera da arquitetura. Consegue fazer um tipo de obra que compõe totalmente com o ambiente. Um sonho de arquiteto. Nada interfere com nada, tudo compõe. Ele consegue o vazio perfeito no ambiente. Tudo mínimo, funcionalmente bonito. Mesmo assim, ele ganha pouco dinheiro, porque é capaz de ficar pirando doze meses em um mesmo projeto, até chegar à forma ideal, coisa que todos os artistas deveriam fazer. Mas o mundo não aceita mais essa arte toda. O mundo exige correria e acabamentos fulminantes. O lixo do mainstream. Você tem que ter ótimas e rápidas soluções pra tudo. E o Augusto tem o tempo dele, que ninguém tira.

Durante o casamento, ele ainda podia se dar ao luxo de pirar, porque ele tinha a Marta, que ganhava rios de dinheiro para poderem gastar juntos, sem muito estresse. Mas agora ele está tendo que se virar e vai acabar lecionando novamente pra tirar algum fixo mensal. Ou achar outra mulher que consiga sustentar sua genialidade arquitetônica. O que eu sinto mais falta do casal é dos jantares que eles preparavam. Nunca na minha vida comi tão bem quanto nos pequenos banquetes que aqueles dois patrocinavam para os amigos.

Teve um jantar em que a Marta, a perfeita naturista alucinada, já estava louca quando eu cheguei na casa deles. Ela estava cozinhando só de calcinha e avental. Com aquele tipo de avental que tem parte de cima, mas, como os seios de Marta são grandes, o avental permitia que os seios saíssem  pelos lados. Meu Deus, pensei que fosse estourar minhas calças. Marta me servindo champanhe com a maior naturalidade, exibindo aqueles seios que pareciam de borracha a alguns centímetros do meu rosto. Confesso que tive que ir ao banheiro me aliviar pra depois poder desfrutar da bebida.

Marta já viveu em comunidades na Europa em que todo mundo andava nu dentro de casa. Já o meu ponto máximo no setor comunidades foi a Casa do Estudante do Rio, na Avenida Rio Branco. Suburbano. Nossa brincadeira preferida era o combate com toalhas molhadas na hora do banho. Uma verdadeira festa. Só com homens. Até pra fazer cocô eu me fecho no banheiro. A minha mãe, depois que meus pêlos cresceram, nunca me viu nu. Então, pra mim realmente não era normal ficar com um ser humano do sexo oposto, seminu, ali na minha frente. Impossível ver alguma naturalidade naquilo.

Marta botou um vestido elegante e serviu as entradas: rocambole de espinafre com trufas, seguido de abobrinhas recheadas com creme de grão de bico. E prato principal: arroz integral tostado com champignon, que, segundo a Marta, é um prato altamente afrodisíaco. Mas nada podia ser mais afrodisíaco que a visão de seus seios. Nunca gostei de arroz integral, mas o da Marta, meu Deus! Bebi demais e entrei numas que Marta queria me provocar com seus seios e com o cereal tostado. Mas o pior é que ela não tava nem aí pra mim. Tudo estava reservado para seu Augusto naquela noite. Como em todas as outras.

Nessas horas eu odiava o Augusto. Queria transar com a mulher do meu melhor amigo, coisa mais que trivial, mas ela não desgrudava do seu único amante, o próprio marido. Acho que todos os homens querem transar com as mulheres de seus melhores amigos, e até com as mulheres de seus inimigos, e com as primas e sobrinhas. Só escapam a mãe e as irmãs, pelo menos no mundo racional. Os homens nasceram pro sexo e, se não fossem os freios da sociedade, nós seríamos que nem cachorros de rua.

Depois foi a vez do Augusto, que grelhou anchovas tão maravilhosas quanto as entradas de Marta. Guto estava totalmente vestido. Gente chegando sem parar, e eu com ciúme de todos que se aproximavam da Marta. Como a paixão efêmera é fulminante! Assim eram meus amigos. Será que algum dia poderia rolar alguma coisa entre nós? Talvez. Às vezes eu ficava conversando até altas horas com o Augusto, enquanto ela dormia num sofá ao lado. Dependendo da forma como a saia da Marta se atritava com o tecido do sofá, dava pra ver um pedacinho da calcinha sobre aquelas coxas de deusa que ela tem. Sempre sofri na hora de ir pra a casa. E sempre fui embora sozinho.

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