De Paulí­nia a Padre Reus

Sonhei com Cannes e acordei em Paulínia, que não é uma homenagem à Madre Paulina, como pensei. É uma cidade do interior paulistano, regada a petróleo, com um dos maiores PIBs do Brasil, que estava realizando a segunda edição de um festival de cinema brasileiro. Fomos convidados a participar da festa com nosso mais recente longa "Antes que o Mundo Acabe". Nossa equipe foi em grande número para Paulínia, pois conseguimos finalmente acabar um trabalho que começou 6 anos atrás. O valor dos prêmios é o maior do país, com excelentes filmes paulistas e cariocas concorrendo. Participar de um festival só é glamouroso para quem é convidado e para quem assiste pela TV. Concorrer é sempre estressante, com cada festival levando 5 anos do teu relógio biológico de tanta tensão. De todas as manifestações artísticas que já participei na vida, o cinema e a TV são imbatíveis em tentativa de afirmação do ego, buscando fama, favores ou valores. Nada se compara. As pessoas agrupam-se com seus iguais: najas amando najas. Dá para fazer vários curtas só dos diálogos do entorno de uma sessão de festival, principalmente das opiniões quando um filme acaba. Os concorrentes sempre acham defeitos nos filmes dos outros, mas para os diretores ninguém diz. Eles só ouvem falsos elogios e levam tapinhas nas costas. Mas todo o desgaste foi compensando pela emoção de uma sessão excelente, e o júri acabou anunciando, em meio a uma cerimônia catastrófica, 6 prêmios para o filme. Adoro receber o prêmio da crítica, que pode ser o algoz de um trabalho. Quando um jornalista, sozinho, não gosta, já é ruim, mas em grupo é o inferno para uma obra. Um projeto profissional de 5 anos pode ser destruído em 5 minutos pela reunião da imprensa.

Além dos prêmios e do excelente tratamento que tivemos por parte da organização do festival, o que encanta em Paulínia é o complexo cinematográfico. O Rio Grande do Sul, que não pode ser considerado no momento um pólo cinematográfico, pois está quase impossível de fazer longas, está há 25 anos tentando construir um complexo que nem o de Paulínia, só que o nosso nunca saiu do papel. E não é questão de apenas terem mais verbas. A administração municipal canalizou os recursos para o cinema, construindo uma cidade cenográfica, uma sala de projeção perfeita de 1500 lugares, uma escola de cinema e uma unidade de stop-motion. Existe um concurso anual que dá até 25% de orçamento para longa, se esta mesma proporção for filmada e gasta em Paulínia. O que mais me encantou foi a unidade de stop-motion. As crianças são trazidas ao complexo, para lindas salinhas coloridas cheias de lego. Elas montam as maquetes de acordo com pequenos roteiros combinados, filmam e depois sonorizam as estorinhas. É absolutamente eficiente para a criatividade infantil, pois engloba todo o processo, e daí podem brotar vários bons cineastas mirins. Cada cidade gaúcha deveria ter uma central de stop-motion para as crianças, ou criar condições nas próprias escolas. Além de exportarmos jogadores de futebol, fabricaríamos cineastas.

Voltando à pobre, fria e úmida terrinha, depois de passar por Campinas, Barueri e Guarulhos, nada de importante aconteceu até este sábado, onde veio tudo xunto-uma-ves. Quatro emoções seguidas das 3 da tarde às 9 da noite. Nem mereço tanto.

Começou com a manifestação na Usina do Gasômetro pela votação do Não, no dia 23 de agosto, às construções dos espigões no Pontal do Estaleiro. É muito importante encontrar pessoas lúcidas , que têm amor pela cidade. Em meio às gravações, me emocionei várias vezes com os depoimentos de velhos ecologistas, pessoas que conheço há mais de 20 anos, que circulavam pela Colméia, ainda na João Telles. A destruição do oceano e todo o resto da poluição urbana já eram discutidos nesta época, mas ninguém dava ouvidos. Destaque para os depoimentos do escritor Carlos Urbim, da atriz Débora Finocchiaro e da sempre maravilhosa artista plástica e ecologista Zoravia Bettiol, que mesmo com a mão quebrada e o frio berrou "Não" na beira do Rio-Lago Guaíba. Os depoimentos estarão disponíveis no Youtube a partir de terça-feira.

Segunda emoção: Fui convidada a assistir a filmagem de um episódio do "Histórias Curtas" da RBS na Assembléia Legislativa. Cheguei lá em meio aos gritos de "Ação" que orquestravam figurantes dispostíssimos do GOE com atores que pareciam saídos de um set de Almodovar. Vi a dedicação total da gurizada nova, dos estudantes de cinema, convivendo com profissionais da antiga. Aí me voltou a sensação: o RS é um pólo de criação de ficção e documentários. Vai que a governadora venha até a janela do Palácio e veja esta maravilhosa filmagem na Assembléia e resolva finalmente fazer alguma coisa eficiente pelo cinema. A gente não quer só comida….

Terceira e mais forte emoção: A missa de sétimo dia do humanista Nilton Fischer , falecido em total atividade aos 62 anos de idade, de ataque cardíaco. A missa foi tão especial quanto a figura de Nilton, professor dedicado, revolucionário e ecologista, em cima de uma livraria, a Padre Reus, na Duque, como não poderia deixar de ser. O padre era inteligente, despretensioso e ligado. O que mais me encantou foi a unidade da família Fischer, com depoimentos emocionadíssimos dos filhos, dos irmãos, dos tios, dos alunos, das companheiras e até da empregada. Não teve quem não chorasse, com músicas que Nilton curtia, sendo interpretadas no violão, enquanto a cerimônia religiosa acontecia. Foi uma lição de vida, mostrando a importância do trabalho quase na surdina de uma pessoa especial e a reação que sua morte provocou em seu meio. Morreu cedo, mas fez muito.

Última emoção do dia, pois ninguém é de ferro: jantar indiano com ótima companhia, e de sobremesa um Gulab Jamum, imbatível. Como Porto Alegre é emocionante!
 

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