Sofia nas margens do Guaí­ba

Para que servem as leis? Teoricamente, para estabelecer um conjunto de normas que regulam a vida em sociedade e estabelecem limites claros para as ações dos indivíduos, das empresas e dos governos. Também teoricamente, as leis são iguais para todos. Ricos e pobres estão sujeitos à mesma legislação. Dizer que a justiça é cega é dizer que cidadãos podem se diferenciar em tudo, mas que serão tratados como iguais na hora de responder a um crime, ou no momento em que determinada questão de interesse público – regulada por lei e envolvendo personagens variados – é posta em discussão. Na prática, contudo, pelo menos no Brasil, a justiça não é cega, e as leis não são aplicadas igualmente para todos. É óbvio – e basta abrir um jornal para saber – que os ricos têm uma justiça e os pobres têm outra. Como fica então a nossa amiga Sofia, que está longe de ser rica, na discussão sobre o projeto imobiliário na área do antigo Estaleiro Só? Teoricamente, o interesse público, que é exatamente o interesse de Sofia – já que ela representa o cidadão anônimo, o senso comum, o juízo de valor médio – está protegido por leis, regulamentos, planos diretores e mil outros textos normativos, que delimitam as ações de quem deseja construir alguma coisa naquela área. Não conheço todos os detalhes do projeto, mas de uma coisa eu sei: qualquer edificação com mais de dois andares que se construa na margem de um rio ou na beira de uma praia – pode ser aqui em Porto Alegre, em Quixeramobim, ou Nova Iorque – é moralmente condenável. Atrapalha a visão da paisagem, atrapalha a difusão do sol, atrapalha a noção de democracia. Sofia não é público-alvo de grandes empreendimentos imobiliários (não tem dinheiro suficiente). Sofia não vai nas audiências públicas que discutem a questão (não tem cidadania suficiente). Sofia não tem preocupações ecológicas (não tem consciência política suficiente). Sofia só quer passar de ônibus ali perto e enxergar o rio. O plano diretor de uma cidade, assim como qualquer legislação moral, deve pensar na Sofia e nas suas necessidades mais básicas. O problema é que, quando a satisfação das necessidades de Sofia dependem da aplicação de determinada norma em vigor, a primeira coisa que se pensa é mudar a lei, ou transigir um pouquinho nas determinações do plano diretor, ou simplesmente dizer que o progresso é inevitável e que Sofia é um entrave. Sofia representa o público, o cidadão, e por isso não conta na geografia e no plano diretor da cidade. Pobre Guaíba. Pobre Porto Alegre. Pobre Sofia.

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