Vicky Cristina Georgiana Londres

Por uma coincidência, assisti a dois filmes numa mesma noite que, embora muito diferentes, têm exatamente o mesmo tema: o velho triângulo amoroso. "Vicky Cristina Barcelona", de Woody Allen, é um filme que pretende lançar um olhar contemporâneo ao tema e, através do contraste entre duas amigas – uma garota tradicional, que pensa em casar-se com um homem confiável, e uma louquinha disposta a encarar todas as experiências afetivas disponíveis – nos faz refletir sobre o velho antagonismo entre liberdade e segurança. "A duquesa", de Saul Dibb, acontece no final do século 18 e, em vários momentos, para o bem e para o mal, lembra o universo de Jane Austen. Aparentemente, isso implicaria um olhar diferente sobre o tema, já que as regras sociais daquela época eram bem diferentes das atuais.

Vendo os dois filmes na seqüência (primeiro Allen, depois Dibb), contudo, fiquei com a impressão de que os olhares são bem semelhantes, os conflitos quase se repetem e as soluções apresentadas são as mesmas, o que causa um certo desconforto. Na verdade, a duquesa Georgina parece ser uma personagem muito mais contemporânea que Vicky e Cristina. Enquanto Allen divide as mulheres em conservadoras e liberais (com as devidas contradições internas, é claro, que ele não é bobo), Dibb faz da duquesa Georgiana uma mulher partida em dois, que foi criada para aceitar um casamento de conveniência, mas não aceita que o arranjo seja conveniente apenas para o marido, e não para ela.

A grande diferença é a questão dos filhos. Nos tempos da duquesa, eles eram o produto mais importante do casamento. Marido e mulher transavam para procriar, o prazer era secundário (e podia ser obtido com amantes). Nos tempos de Vicky e Cristina, os filhos nem são cogitados. O sexo (entre esposos, agregados ou coisa parecida) é para prazer. Filhos podem ser adotados na África. A duquesa sacrifica tudo pelos seus filhos. Vicky e Cristina, sem ter o que sacrificar, passam pela vida como quem, enfastiado, espera um trem para lugar conhecido e nada estimulante.

Os dois filmes são totalmente femininos e feministas, o que é ótimo. O feminismo é o único movimento político do século 20 que ainda tem sentido (o anarquismo, como todos sabem, é do século 19, e nunca teve sentido algum, o que é sua maior qualidade). As personagens vividas por Javier Bardem e Ralph Fiennes encontram-se pelas extremidades. Bardem faz um homem que não acredita em regras e faz tudo por impulso. Fiennes faz um homem que não acredita em impulso e faz tudo de acordo com as regras. São, ambos, por razões diferentes, infelizes com as mulheres. Pensam que as dominam e são dominados. Pensam que têm soluções, mas elas nunca funcionam plenamente. Teoricamente, os filmes deveriam ter "espíritos do tempo" muito diferentes, antagônicos até, mas, na prática, tirando os figurinos, nada de fundamental parece ter mudado: gostar de alguém é muito bom, mas dá um trabalho desgraçado; permanecer gostando ao longo dos anos é um exercício de criatividade; e achar as melhores soluções quando os inevitáveis conflitos aparecem é um desafio para heróis e heroínas de todos os tempos.

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