Recebi do professor Jacques Wainberg, meu colega na PUCRS, a tarefa de escrever quatro verbetes para a "Enciclopédia da Comunicação", que está sendo organizada pela INTERCOM (entidade nacional que reúne os pesquisadores da nossa área). Meus temas eram "cinema", "Hollywood", "concerto" e "concurso de beleza". Os dois primeiros ficaram tradicionais. O terceiro já foi mais divertido. E o quarto realmente gostei de escrever. Não sei se vão aceitar o texto na enciclopédia, mas creio que ele fica bem aqui no blog. 

"CONCURSO DE BELEZA"

Eleger a mulher – há também concursos masculinos, mas estes são menos populares – mais bela, entre um certo número de concorrentes é uma prática quase universal, e seus primórdios perdem-se nas brumas do tempo. Um dos universos míticos mais importantes da Grécia Clássica – a Guerra de Tróia – começa a ser construído com um concurso de beleza. Páris, filho do rei de Tróia, então vivendo como um simples pastor, é convocado por Zeus para resolver uma questão muito difícil: uma maçàde ouro deve ser entregue à deusa mais bela do Olimpo, e três delas apresentam-se – Hera (esposa do próprio Zeus, que assim declara-se impedido de ser o juiz), Palas Atena (deusa da sabedoria) e Afrodite (deusa da beleza). O concurso tem um nível elevadíssimo de corrupção. Em vez de Páris julgar a partir de seus gostos pessoais, ouve uma promessa de propina da cada candidata. Hera diz que ele será o homem mais poderoso do planeta se escolhê-la. Palas Atena afirma que ele será o mais sábio. Afrodite, por sua vez, promete-lhe algo mais simples: a posse da mais bela mulher do mundo, Helena. Paris escolhe Afrodite, deixando as outras duas deusas furiosas. Mais tarde, ao roubar Helena de seu marido Menelau, rei de Esparta, Páris dará início à Guerra de Tróia.

A ciência costuma afirmar que a valorização e a procura incessante da beleza pelos seres humanos – embora dependa de inúmeras variantes ambientais e culturais – é uma questão essencialmente genética. Como todo animal, o homem quer preservar e espalhar sua carga genética do modo mais eficiente e seguro possível. Assim o(a) parceiro(a) deve ser, acima de tudo, capaz de gerar descendentes fortes e saudáveis. A beleza seria, portanto, um mero indicativo das potencialidades procriativas do(a) parceiro(a), restando saber o que significa "ser belo". Entre os macacos-narigudos ( Nasalis larvatus) , a marca de beleza é tamanho do nariz. O macho de maior nariz é o que atrai o maior número de esposas. Se escrevessem livros de Estética, estes macacos teriam muito menos trabalho que os seres humanos, e seus concursos de beleza seriam resolvidos com uma régua.

Um concurso de beleza humano – se o parágafo anterior faz algum sentido – seria então a escolha de uma espécie de "mãe ideal" para a espécie, considerados os padões vigentes na época e no local do evento. É importante notar que, na grande maioria dos concursos, as candidatas não podem ser mães, nem ser casadas (em alguns, não podem ter nem namorados). Para que escolher a melhor procriadora se esta já tem parceiro determinado? Alguns concursos também proíbem que as candidatas posem nuas para revistas. Em 1984, Vanessa Williams, hoje atriz de cinema e TV, foi obrigada a renunciar ao título de Miss América por ter protagonizado fotos eróticas para a Penthouse . Procurar a raiz desta proibição não é tarefa fácil, que pode iniciar com a consulta ao verbete "moral" numa enciclopédia de filosofia.

Os concursos de fantasia têm, geralmente, uma hierarquia geográfica. "A mais bela" do bairro é menos importante que "A mais bela" da cidade, e esta sonha em ser "A mais bela" do estado, do país, da terra, do mundo e do universo. Não se conhecem ainda concursos de beleza inter-universos, mas são comuns concursos que envolvem categorias profissionais ("A mais bela comerciária" é um clássico). As candidatas a concursos de beleza geralmente usam suas vitórias para alavancar suas carreiras profissionais como modelos, ou simplesmente "estar na mídia". Algumas também declaram que desejam ser atrizes, tentando seguir a trajetória de Halle Berry, que levou o Oscar de melhor atriz em 2002 e foi finalista do Miss Mundo.

Os dois mais importantes concursos de beleza internacionais são o Miss Mundo (que teve sua primeira edição em 1951) e o Miss Universo (que começou em 1952). Ambos são eventos midiáticos globais, transmitidos pela TV para centenas de países. A América Latina é um continente que valoriza bastante esse tipo de evento, e, na Venezuela, a escolha de misses é uma verdadeira paixão nacional. Os especialistas em concursos de beleza são chamados de "missólogos". O Brasil já venceu o Miss Universo com a gaúcha Ieda Maria Vargas (em 1963) e com a baiana Martha Vasconcelos (em 1968). A mineira Natália Guimarães, que tirou segundo lugar em 2007, ao ser perguntada sobre a razão de ter feito mais de vinte cirurgias plásticas antes de embarcar para o concurso, respondeu: "Não é um concurso de beleza? Se fosse de conhecimento, eu estava lendo."