Saindo de casa, saindo da Casa

É difícil sair de casa. Morei com meus pais por 23 anos, num sobrado da rua Santo Inácio, e até hoje tenho recordações muito fortes do quarto que dividia com meus três irmãos, da adega que virou laboratório fotográfico, do pátio onde jogava futebol com meus amigos, quando devia estar estudando. Fui feliz naquele lugar. Foi onde me conheci. Foi onde escutei meus primeiros discos, foi onde escrevi meus primeiros contos, foi a sede de meus primeiros filmes. Mas resolvi sair de casa assim que consegui um emprego razoavelmente estável, porque queria mais liberdade, mais independência. Aluguei um apartamento de um quarto, fundos, no edifício Ouro Negro, na avenida Cristóvão Colombo. Fiquei ali só seis meses, mas lembro até hoje da noite em que meu irmão Zeca bateu na porta para dizer que nosso pai tinha morrido, e de uma visita do meu amigo Giba, que trouxe uma solução narrativa para uma cena do filme Inverno, que estávamos rodando naquele momento.

 

Do Ouro Negro, fui para uma casa da Marquês do Pombal, em cuja garagem nasceram Os Replicantes. Depois fui para um estranho edifício comercial de três andares na Tomaz Flores (que transformamos em residência). Ali nasceu minha filha mais velha, Iuli, que hoje é cineasta. Depois foi um apartamento na Oswaldo Aranha, onde vi a Iuli e as minhas outras duas filhas, Livi e Iami, crescerem. Como o nosso edifício não tinha garagem, deixávamos o carro no edifício ao lado, na vaga do grande ator Leverdógil de Freitas, que não dirigia. E, finalmente, durante as filmagens de Tolerância, há 12 anos, fui para um apartamento da José Bonifácio, de onde não pretendo me mudar nos próximos 50 anos. Só de pensar em tirar os livros das estantes tenho dor de barriga. Mas as mudanças é claro, continuam acontecendo. Quando nada muda, estamos mortos. Vida é movimento, alteração, água correndo num rio que nunca é o mesmo. É o que estou pensando – e o que me consola – nessa semana em que saio da Casa de Cinema de Porto Alegre rumo a um novo endereço e a uma nova perspectiva profissional.

 

Sair da Casa de Cinema foi uma decisão muito mais difícil que sair da casa da Santo Inácio, e não esquecerei todas as coisas boas que rolaram nesses quase 24 anos de sociedade: os filmes, as campanhas políticas, as dificuldades enfrentadas coletivamente, as alegrias compartilhadas. Não cabe explicar aqui os motivos da saída. Nesse momento, o que interessa é olhar pra frente e dizer para quem está lendo este texto que ele é o último aqui nesse endereço. Em breve escreverei outros, no site da Prana Filmes, que está em construção acelerada. Em 1992, a Casa já passou por uma transformação muito grande, com vários sócios fundadores saindo, e seguiu em frente. É o que deve acontecer agora. Eu e a Luciana continuaremos nos sentindo parte dessa Casa, e deixaremos aqui, além das obras em que trabalhamos, um sentimento de orgulho por fazer parte de uma iniciativa importante para o cinema brasileiro. Vamos para nossa nova casa porque esta é a melhor alternativa para continuar fazendo filmes com a alegria e a liberdade que sempre tivemos.

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