Os erros de Richard Dawkins – 2

 

No capítulo 7 de "O capelão do diabo", Richard Dawkins faz uma resenha elogiosa do livro "Imposturas intelectuais", de Alan Sokal e Jean Bricmont. O título da resenha, "O pós-modernismo desnudado", é um bom resumo da atitude de Dawkins, Sokal e Bricmont frente a um grupo de intelectuais que não passariam de impostores muito ambiciosos academicamente, que escrevem seus textos de uma forma que ninguém entenda, de modo que não dizem nada, mas que são capazes de conquistar admiradores pelo mundo todo e ver seus livros reverenciados por uma multidão de estudantes. Quem são, na opinião do eminente biólogo, esses impostores? Vamos à lista: Félix Guattari, Gilles Deleuze, Michel Foucault, Jacques Lacan, Luce Irigaray, Bruno Latour, Jean-François Lyotard, Jean Baudrillard  e Jacques Derrida. Coincidência ou não, todos franceses.

 

Para  provar que todos estes autores não passam de impostores, Dawkins, sempre partindo do livro de Sokal e Bricmont, publica vários trechos de obras que parecem, realmente, não ter qualquer sentido, e lembra a experiência de Alan Sokal, que submeteu à revista "Social Text" um ensaio absurdo, mas recheado de jargão pós-modernista, e foi publicado. Além disso, Dawkins destaca um site/software capaz de gerar automaticamente um texto pós-modernista sem sentido algum, mas que parece ser respeitável. Esse site ainda funciona em http://www.elsewhere.org/pomo/ . Vale a pena dar uma olhada. É bem divertido.

 

Vamos supor que esse site, em vez de se dedicar à pós-modernidade, de dedicasse à biologia. Aposto que ele poderia gerar algo como:

 

"As hifas podem ser divididas em células por septos transversais. Mas algumas não são, e os núcleos contendo o DNA pontilham a hifa em um sincídeo, ou seja, um tecido com muitos núcleos não divididos em células distintas (encontram-se outros sincídeos no desenvolvimento inicial da drosófila e na teoria de Hadzi sobre a origem dos metazoários). Nem todos os fungos possuem um micéfilo filamentoso. Alguns, como as leveduras, reverteram as células únicas que se dividem e crescem em massa difusa."

 

Alguém aí entendeu alguma coisa? Alguém aí sabe o que são hifas, drosófilas, sincídeos, micéfilos? O que é a teoria de Hadzi? O que significa crescer em massa difusa? Eu sei quem respondeu positivamente: biólogos. Eles estão acostumados com esse jargão. Eles sabem por exemplo, que drosófilas são as moscas das frutas, muito utilizadas em experiências de genética. Para a grande maioria da população, o texto de Dawkins, publicado em "A grande história da evolução", é absolutamente incompreensível, mesmo que essa obra seja destinada ao grande público, e não à comunidade dos pesquisadores da evolução.

 

Dawkins ridiculariza Lacan e Derrida, mas gostaria de vê-lo discutindo a psicologia humana com estes dois pensadores.  Ataca Foucault e Lyotard, mas também gostaria de vê-lo debatendo política com eles. Enfim, Dawkins acha que os cientistas sempre falam claramente, e isso é uma grande mentira. Explicar o mundo – em suas características físicas, biológicas ou sociais – não é fácil. Para uma teoria funcionar, ela necessariamente terá um certo grau de complexidade. Mesmo Darwin, ao anunciar a seleção natural, estava longe de desvendar detalhes importantíssimos da evolução, como a genética e o DNA. Teorias são quase sempre complexas e exigem um certo esforço intelectual, havendo ou não muitas palavra difíceis.

 

Pior: teorias são feitas para serem derrubadas por outras teorias. Jonathan Culler escreveu que "A natureza da teoria é desfazer, através de uma contestação de premissas e postulados, aquilo que você pensou que sabia, de modo que os efeitos da teoria não são previsíveis." Dawkins tenta ridicularizar Guattari, Lacan e Foucault, como se eles fossem impostores escondendo num texto indecifrável um imenso vazio de ideias, como se eles fossem um grande gerador automático de textos absurdos, como se a pós-modernidade fosse um conceito inútil, quando na verdade nem tentou entender o que estava escrito. As ciências sociais com certeza fizeram questão, por muito tempo, de ignorar o que algumas ciências têm a dizer sobre a natureza humana. Sociobiologia, psicologia evolutiva e neurociência parecem assustar a muitos intelectuais, mas contra-atacar como Dawkins faz, de modo simplista e rancoroso, também é um erro. A verdade, se é que ela existe, estará sempre num ponto de encontro de várias ciências e teorias. Sempre num ponto interdisciplinar.
 

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