Diversidade na TV (e fora da TV)

Hoje (30/09), às 19h30, no Teatro do prédio 40 da PUCRS, participo de um debate durante o SET Universitário da FAMECOS. Redigi algumas notas para a minha fala e resolvi postar aqui. O tema do debate é diversidade. Aí vai:

A diversidade é um tema importantíssimo na indústria audiovisual, por vários motivos. Alguns deles têm mais a ver com o público, com a população brasileira em geral. Por uma questão de democracia, pela necessidade dessa indústria apresentar temas e estéticas diversas para um país tão cheio de diferenças como o nosso, a pluralidade de programação precisa existir.
 
Outros têm a ver com os profissionais dessa indústria. Por questões históricas e econômica, nossa produção está centralizada no Rio e em São Paulo. Vivemos numa Federação. Para que outros estados também se desenvolvam nesse setor, que é estratégico e emprega muita gente, a realização audiovisual tem que apresentar uma produção com maior diversidade do ponto de vista geográfico.
 
Outro, o mais importante de todos, tem a ver com o desenvolvimento da própria indústria. A biologia ensina que houve uma diversidade maior de tipos de organismos à medida que a evolução aconteceu. Sem diversidade, na verdade, não há evolução, e é sobre isso que eu vou falar.
 
Charles Darwin, há cento e cinqüenta anos, em seu livro “A evolução das espécies”, criou uma teoria. Que, na verdade, é bem simples. Em toda espécie há diversidade entre os indivíduos. Nessa diversidade, os caracteres hereditários que melhor se adaptam ao meio vão sobreviver, e os menos adaptados vão desaparecer. A natureza é um grande laboratório de diversidade, que acontece através de mutações genéticas aleatórias. A maioria das mutações provocam mudanças para pior, mas as poucas mutações que provocam mudanças para melhor acabam vencendo. Se duas populações de uma mesma espécie se separam, e uma delas acaba sofrendo uma mutação “benigna” (do ponto de vista evolutivo), pode surgir daí uma nova espécie. O homem só existe por causa da diversidade genética das populações de seus ancestrais.
 
Na indústria audiovisual também é assim. Quando acontece uma homogeneidade muito grande, as possibilidades de evolução desaparecem. Quando somente as fórmulas são seguidas, desaparece a criatividade.
 
Isso aconteceu no cinema do Rio Grande do Sul, com Teixeirinha, o nosso mais importante cineasta de todos os tempos, se consideradas apenas as bilheterias dos filmes. Isso aconteceu com as chanchadas da Atlântida, com os filmes da Vera Cruz, com a idéia das grandes produções da Embrafilme.
 
Isso nunca aconteceu com Hollywood, que, ao contrário do que muitos dizem, sempre teve – apesar do apego ao realismo – uma diversidade temática e estética muito grande. Nós nos queixamos de Hollywood, mas temos que pensar nas razões de seu sucesso, que são muitas, mas também passam pela diversidade.
 
A Globo percebeu isso faz tempo. O surgimento das minisséries, na década de 70, foi fundamental para que novas opções narrativas aparecessem. A aposta em novos formatos também. Quando “TV Pirata” foi pro ar, muita gente dizia que não emplacaria uma segunda temporada. E foi a matriz estética para dezenas de programas do núcleo Guel Arraes. Em breve teremos uma nova edição do programa. Quem diria?
 
Quando a minha turma começou a fazer super-8, a nossa principal qualidade é que éramos diferentes. Tecnicamente muito pobres. Esteticamente ignorantes. Mas culturalmente identificados com um público jovem e urbano. O movimento super-8, tão pobre, rende dividendos até hoje. Havia ali uma mutação vencedora. Quem diria?
 
O mesmo está acontecendo agora com a teledramaturgia da RBS TV, que está completando 10 anos. Não havia ficção na TV aberta do Rio Grande do Sul. Agora há. Alguns vão dizer que é muito pouco: só aos sábados depois do Jornal do Almoço. Mas muitos também diziam que um filme super-8, com uma só cópia, não tinha qualquer chance de mudar o cenário do cinema gaúcho. E mudou. Fez evoluir. Vai acontecer a mesma coisa com a TV. Só falta espaço na grade pra RBS crescer ainda mais. E, se ela não negociar logo com a Globo uma alternativa para aumentar a produção local, outra emissora, que pense no futuro, vai fazer isso, e, a médio prazo, acabará concorrendo seriamente com a RBS. Quem arrisca mudar pode se dar mal, ou pode se dar bem, e evoluir. Quem não se arrisca, não evolui nunca. Fica parado. É uma chatice.
 
Por que a Globo continua sendo tão forte? Porque consegue apostar em novos produtos e não ficar eternamente subjugada pelos números do Ibope. Claro que programas com audiência muito abaixo da média não podem durar muito, mas os seus executivos sabem avaliar produtos que, mesmo sem grandes audiências, conseguem mostrar algo novo, acrescentar diversidade. Já participei de alguns programas desse tipo na Globo, como "Memorial de Maria Moura", "Engraçadinha", “Brava gente”, “Comédias da Vida Privada” e “Decamerão”. O ideal é inovar e diversificar mantendo uma grande audiência (como em "Memorial de Maria Moura"). Mas nem sempre isso é possível.
 
Por isso, sempre fico com o pé atrás para julgamentos apressados de novos programas na TV. Não dá pra avaliar por méritos apenas estéticos (que geralmente exigem um grau "perigoso" de ousadia temática ou estética), mas também não dá pra avaliar apenas pelo Ibope (que tende a valorizar produtos mais tradicionais). É preciso haver diversidade para que novas opções sejam lançadas. E é preciso tratar bem quem faz o diferente, em vez de fazer sempre igual.
 
Darwin estava certo. Quem evoluir verá.
 
 
 
Compartilhar

Mais Notícias

COMEÇAM AS FILMAGENS DE “A HISTÓRIA MAIS TRISTE DO MUNDO”

Nesta segunda-feira, a câmera e os microfones foram acionados pela primeira vez para a realização do longa-metragem “A história mais triste do mundo”, do diretor Hique Montanari, uma co-produção da Container Filmes com a Prana Filmes. Baseado do livro homônimo de Mário Corso, a produção deve ser concluída em sete semanas, com locações em Porto […]

25 de março de 2024

ESTÁ COMEÇANDO “A HISTÓRIA MAIS TRISTE DO MUNDO”

GZH – Ticiano Osório – 27/11/23 Livro de Mário Corso vai virar filme de Hique Montanari Adaptação de “A História Mais Triste do Mundo” começará a ser produzida em 2024 O livro vencedor do Prêmio Açorianos de 2015 de Literatura Infantil, A História Mais Triste do Mundo, de Mário Corso, vai virar um longa-metragem com […]

6 de fevereiro de 2024

“Sioma Breitman, o Retratista de Porto Alegre” indicada ao XVI Prêmio Açorianos de Artes Plásticas

“Sioma Breitman, o Retratista de Porto Alegre” é finalista do XVI Prêmio Açorianos de Artes Plásticas em duas categorias distintas: Destaque Exposição Individual e Destaque Curadoria / Institucional! Esta exposição, que inaugurou o calendário de mostras do Farol Santander POA em 2022, tem uma conexão direta com as celebrações dos 250 anos da nossa cidade. […]

31 de outubro de 2023

Bio – Construindo uma vida na Primavera Gaúcha 🌸🎥

Nascido em 1959 e morto em 2070, um homem tem uma patologia especial que não o permite mentir. Depois de sua morte, amigos e membros de sua família se reúnem para relembrar acontecimentos especiais pelos quais passaram juntos e que montam um interessante retrato da biografia do rapaz. Misturando documentário e ficção, “Bio”, de Carlos […]

2 de outubro de 2023
Voltar