Desconectados 3: Marta insiste

Capítulo 3 – Marta insiste

Para tentar melhorar a situação, ele resolveu me dar um presente, porque eu andava assim meio acabrunhada, alternando ansiedade e depressão, comendo demais no entardecer, tomando meu terrível café preto, que ampliava totalmente o meu desespero, que era piorado pelo vinho tinto, que acabava com a minha garganta, junto com o abominável aspartame dos refris diet que eu tomava tentando não engordar tanto, enquanto comia dois croissants e três pastéis de queijo, achando que os lights iriam me emagrecer.
 
Talvez para me ver um pouco mais contente, ele resolveu escolher um vestido. Particularmente, acho que homem não deve tentar dar um vestido de presente pra uma mulher. Tu olhava para o vestido e via que era um presente caro, bem escolhido, um tecido bom. Quando eu experimentei, era como se eu tivesse enfiado o corpo dentro de um bolo de casamento. Fiquei redondinha, com camadas de tecido ondulado, umas por cima das outras, algo como folhas de repolho bege. Foi indescritível. Só o espelho ou uma câmera fotográfica para retratar aquele horroroso momento. Eu não soube e não sei disfarçar quando não gosto de alguma coisa. Sinceridade burra. Ele diz que sou grosseira dentro de minha objetividade. E sou mesmo. O que eu disse foi apenas: parece um bolo de casamento.
 
Aí, além de agüentar a minha depressão, eu tive que suportar a dele. E homem deprimido é muito pior que mulher. Tentei hipericum e florais para a depressão dele, com pouco sucesso. O que realmente acabou com a minha depressão foi trocar o vestido na loja e decidir abandonar de vez o café, que poderia ser todo exportado para os Estados Unidos, suprindo seu gosto secular por disputas, stress e insônia.
 
Com ele uma boa discussão idiota é o melhor alívio pra melancolia:
 
– Tem gente batendo na porta, Augusto.
– Deve ser o zelador entregando o jornal.
– A essa hora não é.
– Então deve ser engano.
– Augusto, continuam batendo.
– Marta, tu não vê que eu tô no banheiro?
– Como eu vou ver se eu tô no meu quarto? Tá bom, eu vou abrir.

(Isso era legal. Sempre tivemos dois quartos, pra sempre haver a possibilidade de dormir sozinho em seu próprio quarto. Talvez por isto tenha durado sete anos. Se fossem os dois o tempo todo no mesmo quarto não teria durado um ano.)

– O que é, Marta?
– É uma intimação dizendo que se tu não pagar o teu fone comercial, tu tá indo pro cadastro de devedores.
– Mas que porra é essa? Eu desliguei esse fone. Caras fudidos.
– Como tu desligou o fone?
– Eu liguei pra lá e mandei desligar.
– E tu ficou com o número do desligamento? Com o protocolo?
– Não, mas a mina disse que era cancelamento automático.
– Automática é a tua ida pro SPC, sem protocolo.
– Cara, eu vou processar estes caras.
– Qual é a prova de que tu cancelou o fone?
– As minas dizem: Nossa conversa está sendo gravada. Então deve ter minha fala dizendo que eu cancelei o telefone.
– Elas provavelmente só arquivam as falas das pessoas comprando telefones deles, e não cancelando.
– Por isso que eu odeio telefones, internet, secretárias eletrônicas, palm-tops, GPS e, principalmente, tele-marketing. Sociedade virtual fudida, gente que só conversa pela internet, que não tem amigos de carne e osso. E esses programas de TV interativos. Gente achando que existe, só porque participa de uma escolha com duas opções, num programa para débeis mentais televisivos. Gordos fodidos comendo fast-food e olhando para 140 canais de merda despejada. Seres deprimidos que apenas se soltam em frente à TV olhando futebol.
– Tá chega, fala alguma coisa que preste, Augusto.
– Como o quê, por exemplo: Havia um pastorzinho que andava a pastorear?
– É melhor do que o que tu tava dizendo.
– A faca que corta dá talho sem dor.
– Melhor.
– As lindas libélulas reluziam nas lanternas mágicas enquanto o doce violinista entoava acordes sublimes.
– Vai te fuder, Guto.

Nossos diálogos terminavam sempre assim, pra cima, carregados por um elefante voador. Bad Dumbo.

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